O emblemático café-restaurante Santa Cruz localiza-se na praça 8 de Maio, em plena Baixa de Coimbra. Está classificado como Monumento Nacional desde 11 de outubro de 1921 (decreto n.º 7733), tendo sido reconhecido como entidade de interesse histórico e cultural ou social local, pela Câmara Municipal de Coimbra, pelo edital n.º 68/2022
NO TEMPO DA IGREJA
Uma das suas particularidades relaciona-se com o facto de se ter estabelecido na antiga igreja paroquial de S. João de Santa Cruz, obra principiada por Frei Brás de Braga, por volta de 1530, com projeto do arquiteto Diogo de Castilho. Esta obra inseriu-se no vasto programa reformador que D. João III lhe havia confiado e executado a partir de 1527, centrado no Mosteiro de Santa Cruz e na instalação definitiva da Universidade de Coimbra, processo que veio a alterar profundamente a feição da cidade, com a reestruturação das dependências conventuais, modernizando e construindo edifícios.
Extinguiu-se, então, o pequeno Convento de S. João das Donas e restaurou-se a Igreja de Santa Cruz, que em consonância com a dignidade do panteão dos primeiros monarcas, foi reservada para uso quotidiano e exclusivo dos frades crúzios, decidindo-se erguer, de raiz, uma nova igreja que servisse a paróquia de S. João da Cruz.
Com a Extinção das ordens religiosas masculinas (1834) a sede da paróquia – Igreja de S. João de Santa Cruz, também conhecida como Igreja de S. João das Donas, foi transferida para a antiga igreja monástica. Consequentemente, a antiga sede paroquial conheceu um período de abandono, agravado pelo processo de regularização do traçado das ruas da cidade, com a subida da cota do pavimento exterior frente à igreja. Após a sua dessacralização, o edifício conheceu diversas funções comerciais, sendo utilizado como armazém de ferragens, esquadra de polícia, armazém de canalizações, estação de bombeiros e mesmo como casa funerária.
A ADAPTAÇÃO A CAFÉ
A sua origem enquanto café remonta a 1896, figurando como estabelecimento comercial (mercearia ou café) no artigo do jornal “Portugal”, de 27 de junho, onde é referido: «transforma(m) o templo de Santa Cruz num verdadeiro tasco».
No início da década de 1920 o imóvel foi adaptado às funções de café-restaurante, por iniciativa dos empresários Adriano Ferreira da Cunha, Adriano Viegas da Cunha Lucas e Mário Pais, com projeto assinado pelo arquiteto Jaime Inácio dos Santos, tendo a inauguração ocorrido a 8 de Maio de 1923 – há 100 anos, portanto! No entanto, por imposição da lei, todos os estabelecimentos similares tiveram que requerer licença para manter as portas abertas, de forma que o Café Restaurante de Santa Cruz apenas adquiriu o seu alvará de utilização após auto de vistoria realizado a 15/02/1930.
A fachada do primitivo templo seria muito singela, com apenas um portal com três pequenas aberturas na parte superior. Aquando da reforma de 1923, esta foi bastante alterada e, após acesa polémica, ficou com o atual aspeto revivalista, neo-manuelino, abrilhantado por um conjunto de vitrais. O interior, agora revestido por espaldares de madeira, também data dos inícios do século XX.
Internamente a construção é abobadada, dividida hoje em três tramos (a primitiva igreja apresentava apenas dois). O arco cruzeiro marca a divisória para aquilo que teria sido outrora a capela-mor, também ela abobadada em forma estrelada. A iconografia utilizada, e ainda hoje visível, é variada: flor de lótus, o cordeiro, o sol, a lua, folhas de acanto, entre outras tipicamente cristãs.
Em 2002 teve lugar uma renovação do espaço, com projeto dos arquitetos Luísa Marques e Miguel Pedreiro. A intervenção procurou clarificar e potenciar a utilização deste espaço, de qualidades arquitetónicas invulgares, como polo cultural privilegiado da cidade de Coimbra.
Com a atual gerência o café conheceu tempos de expansão e consolidação da sua identidade territorial, incluindo a vertente doceira, com a comercialização dos muito apreciados crúzios. Trata-se, na realidade de uma receita interna, conhecida há muitos anos, mas nunca rentabilizada. Após a sua comercialização obteve diversas medalhas de ouro no concurso de doçaria tradicional promovido pelo CNEMA. O doce foi lançado no dia 5 de março de 2012, pretendendo homenagear o café, a igreja e o mosteiro de Santa Cruz.
No seu espaço e além do serviço de cafetaria, preservam-se hábitos que são apenas visíveis em cafés carismáticos: folhear um jornal, ler um livro, agendar uma reunião, marcar um encontro de amigos, estudar, conversar ou tertuliar. Um espaço de divulgação da cultura, com propostas que passam pela projeção de documentários e filmes, apresentação de contadores de histórias, lançamento de livros e revistas, música ao vivo, mostras de artesanato e exposições.
O CENTENÁRIO
As comemorações do centenário do Café Santa Cruz iniciaram-se em maio de 2022, com o seminário “Cafés históricos: um encontro de ideias”, numa parceria com a Associação dos Cafés com História de Portugal ACH), dando continuidade ao evento realizado em 2028, sob a temática “Os cafés Históricos como Património Cultural”. O encontro marcou o início do programa das comemorações do centenário do Café Santa Cruz, contemplando um conjunto de iniciativas que se estenderam a 2023, sob o mote “fazer história” na vida de quem por ali passa”.
O referido encontro estruturou-se em diversos painéis temáticos: “Rotas Culturais e Patrimoniais”, “A importância do ‘Café Central’ na vida das cidades”, Cafés Históricos – memória, autenticidade e salvaguarda”, “Do Turismo massificado ao impacto da Covid-19 no turismo e no património cultural – soluções para o futuro”.
O painel de participantes foi abrangente e de grande qualidade: Clara Almeida Santos, Manuel Lucerda, Maria Calado, Catarina Reis, António Pedro Pita, Elísio Estanque, Fernando Franjo ou Lurdes Craveiro. Também no âmbito do encontro foi apresentada a obra “Memórias do Café Derby”, de Fernando Franjo, pelo investigador João Pinho.
Do programa comemorativo salientam-se como objetivos de curto prazo: a criação de uma nova imagem, um novo site e o lançamento de um CD (3ª edição). Numa perspetiva mais alargada, e segundo Vítor Marques, sócio-gerente e também presidente da Associação dos Cafés com História de Portugal, ali sedeada, têm sido linhas primordiais de atuação: “Que os cafés históricos possam estar integrados nos nossos passeios de lazer e familiares, bem como fazer com que estes estabelecimentos façam parte dos roteiros turísticos nacionais e internacionais”, salienta, ao traçar um grande desafio, “os futuros mapas da cidade incluírem esses cafés centrais nos seus percursos.
Neste contexto, a certificação da Rota Europeia dos Cafés Históricos, conseguida em junho de 2022, foi um passo muito importante, que terá continuidade no próximo dia 07/05 com a entrega, simbólica, no café Santa Cruz, do certificado a todos os Cafés Históricos Portugueses, por Stefano Dominioni, Secretário Executivo das Rotas Culturais Europeias do Conselho da Europa.
O processo da distinção do Dia Nacional do Café Histórico está, também, em andamento, tendo sido formalmente apresentado no dia 14/04/2022 n’ A Brasileira do Chiado.
Programa:
Domingo, 7 de maio – Sessão Solene
16h30 – Atuação da Filarmónica de Taveiro, Praça 8 de Maio
17h15 – Conservatório de Música de Coimbra – JAZZ, Esplanada
18h00 –Angela Drakou (Presidente da Historic Cafés Route e Proprietária do Café Lesxi Komotineon [Komotini / Grécia]), Stefano Dominioni (Secretário Executivo do Acordo Parcial Alargado sobre Rotas Culturais do Conselho da Europa e Diretor do Instituto Europeu de Rotas Culturais). Entrega, aos Cafés Históricos de Portugal o Certificado da Historic Cafés Route – a Cultural Route of the Council of Europe
18h20 – Conservatório de Música de Coimbra – JAZZ, Esplanada
18h30 – Discursos oficiais, interior do Café
19h30 – Fado de Coimbra, interior do Café
20h00 – Encerramento
Segunda-feira, 8 de maio
11h00 – Cerimónia de lançamento do selo e do postal inteiro produzido pelos CTT, no âmbito do Centenário do Café Santa Cruz
12h00 – Apresentação do projeto “European Cultural Travel Program for Romania”; Arnold Klingeis (Embaixador da Historic Cafes Route na Roménia e Manager do Brukenthal Palace Historic Café, em Avrig)
17h15 – “Uma mesa do Santa Cruz: uma tertúlia semanal”
18h00 – Espetáculo de Fado de Coimbra e homenagem aos músicos já falecidos que passaram pelo Café Santa Cruz e que colaboraram nas três edições do CD de Fado de Coimbra editado pelo Café Santa Cruz