23 de Março de 2025 | Coimbra
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Orlando Fernandes

Análise política: O homem certo?

18 de Novembro 2022

Há uma citação que faz lembrar o Partido Comunista Português: “Tudo deve mudar, para que tudo fique como está.” Por ironia, foi originalmente escrita por Giuseppe no Lampedusa, no romance Il Gattopardo, pronunciada por Tancredi, um aristocrata falido que queria que o mundo mudasse… mas pouco. Onde a substituição nas cúpulas comunistas acerta o passo com uma tirada sobre o período do risorgimento italiano que mexeu pouco com o statu quo é nesta inamovibilidade essencial: a verdade é que no PCP, mudam-se os tempos, mudam-se os protagonistas, mas dificilmente se mudam as vontades e os desígnios.

Embora o partido, depois do fim da Geringonça, se confronte com a maior crise da sua história conseguindo escassos 4,3% dos votos e apenas seis deputados, falar de renovação com a saída de Jerónimo de Sousa e a sua substituição por Paulo Raimundo pode ser manifestamente exagerado. Muitos dirão que esta fixidez obstinada é a razão da longevidade do partido. Outros apontam-na como a sua condenação.

Todo o processo de substituição foi feito à boa maneira comunista, com uma escolha da cúpula. Sem alaridos, sem fugas de informação, sem discussão nem escrutínio públicos. Apresentado em comunicado às redações, num sábado à noite, o nome de Paulo Raimundo será depois referendado pelo Comité Central, sem contestação. Há um ano, ninguém o indicava para a sucessão, na qual se enfileiravam nomes mais conhecidos: João Ferreira, João Oliveira, Bernardino Soares, em março, o início das suas discretas aparições públicas e a possibilidade de entrar na corrida, chega como ilustre desconhecido de quase todos: eleitores, militantes e até comentadores. Ali, o coletivo continua a falar mais alto.

Paulo Raimundo será, aliás o primeiro secretário-geral a tornar-se líder sem nunca ter ido a votos e ter sido eleito em democracia, nem que seja para uma junta de freguesia. E será também o primeiro nascido após o 25 de Abril, sem luta antifascista no currículo. Porém, na hagiografia comunista, aparece como o “operário” que “começou como carpinteiro, foi padeiro e animador cultural” e com “um percurso de vida dedicado à defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo”. Na verdade desde os 19 anos que é funcionário do partido, primeiro da JCP e depois do PCP, sendo um dos poucos que ocupam lugar na Comissão Política e no Secretariado do Comité Central. É um discreto e fiel servidor do aparelho. Se entendermos a palavra “operário” como “pessoa encarregada de um trabalho mediante pagamento”, é, pois, um proletário da política há 27 anos, como tantos outros noutros partidos.

Paulo Raimundo terá desafio hercúleo pela frente. Substituirá um homem empático, respeitado em todos os quadrantes políticos. E liderará um partido que cumpriu sempre a importante função de dar voz a uma franja da população muito esquecida – os trabalhadores, os pensionistas, os mais desfavorecidos –, mas que não aprecia mudanças, com uma base eleitoral envelhecida, um desaire nas últimas legislativas e dificuldades em encontrar o tom perante uma maioria absoluta do Partido Socialista que ajudou a fortalecer.

Um partido que, desde a queda do Muro de Berlim, tem dificuldades em lidar com a falência do modelo ideológico original, que se institucionalizou na política interna e se assumiu como defensor da Constituição da República Portuguesa, mas que, na política externa, nunca conseguiu distanciar-se e reconhecer os erros do passado, continuando a cometer novos erros. Antieuropeísta a anti-imperialista, separa o imperialismo do mal (o americano) e o imperialismo do bem, (o russo), que não reconhece, agarrado a um ideário imaginário que já não existe e sem perceber que a Rússia de hoje tem, mais de fascista do que de comunista. Todas estas incongruências ficaram escancaradas desde o início da guerra da Ucrânia, que entrincheirou o PCP numa fossa de difícil saída colocar-se, desde o primeiro minuto, do lado do agressor em vez do agredido, replicando o mesmo argumento indefensável do Kremlin durante tempo demais.

O que resta da força do PCP está nas autarquias e nas ruas, e é para as ruas que vai voltar agora com Paulo Raimundo, numa luta que pode ser pela sua sobrevivência. Se com os mesmos métodos e a cassete reivindicativa de sempre ou se com novidades e pequenas nuances – será esperar para ver.

Mas terá a concorrência do lado oposto do espectro, a extrema-direita, a dar tudo e a procurar lançar-se na contestação sindical, rivalizando na contestação e sim, também na captação dos eleitores.

 


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