Afonso Lázaro Pires tem dedicado grande parte da sua vida ao associativismo. Na Direção da Associação Cultural e Recreativa de Coimbra há cerca de 40 anos, admite que esta paixão pela cultura fez dele um homem diferente. Apesar de muito haver ainda a ser feito nesta área, não olha para trás com nostalgia e prefere encarar o futuro com esperança, certo de que, enquanto houver outros que, como ele, se dedicam a estas causas, este será sempre um percurso enriquecedor.
A dedicação de Afonso Lázaro Pires ao associativismo começou quando era apenas um jovem. As amizades de então, bem como o gosto pela cultura e pelo coletivo, foram alimentando sempre essa paixão que, apesar de alguns anos de afastamento, nunca esmoreceu e que hoje, aos 70 anos, está mais viva do que nunca.
O presidente da Associação Cultural e Recreativa de Coimbra (ACRC) – desde que esta coletividade foi fundada, já lá vão quase 40 anos -, recorda que o “bichinho” começou ainda na Arregaça, no Vitória Futebol Clube de Coimbra, quando tinha uns 15 anos. Mais tarde, depois de 1969, por obrigações profissionais, acabou por ter que deixar a cidade e deslocou-se para Águeda, depois para a Mealhada e só então se proporcionou o regresso a Coimbra e ao associativismo. “Aquilo é uma ‘doença’ tremenda. Foi nessa altura que me encontrei com esse grupo de jovens do Areeiro e do Alto de S. João, que já andava a trabalhar em atividades culturais, e juntei-me a eles. E foi assim que fundámos a ACRC”, recorda.
Decorridos perto de 40 anos, é com emoção que fala de associativismo e do trabalho que tem sido feito nesta área, que está ainda muito longe de ser como desejava mas que tão enriquecedor é. “Não tenho dúvida nenhuma de que não seria a mesma pessoa se não andasse ligado ao movimento associativo. A minha vida tem sido uma vida enriquecedora. O nosso trabalho é feito com paixão, com amor, sem qualquer sentido lucrativo ou material, a não ser o bem da sociedade em geral”, sublinha.
Mudança para Coimbra com apenas 10 anos
A paixão pelo associativismo foi apenas um dos muitos amores que acabaria por encontrar em Coimbra, cidade onde chegou com apenas 10 anos, vindo de Condeixa-a-Nova, sozinho, com “uma vontade muito forte de abandonar a pobreza que se vivia naquela época”. Apesar do intenso trabalho, a ânsia da juventude e o “desejo forte de vencer e ultrapassar as dificuldades” incitaram-no a estudar, à noite, contando sempre com “o apoio e motivação dos pais, sobretudo da mãe, que estava constantemente a transmitir esse entusiasmo e determinação”.
Era, portanto, uma criança quando começou a trabalhar no comércio, demorando apenas cerca de uma década a chegar à área dos seguros, onde acabou por fazer toda a carreira profissional até à reforma. Depois de um percurso intenso, onde rapidamente chegou a gerente de um balcão da companhia Ultramarina – que entretanto deu lugar à Império Bonança e mais tarde à Fidelidade -, Afonso Lázaro Pires achou que estava preparado para a reforma. Tinha então 55 anos e, em poucos meses, descobriu que se tinha enganado. Não estava, de todo, apto para se dedicar apenas à família e ao associativismo. “O primeiro mês foi bom, foi um período de férias. O segundo foi assim, assim… No terceiro cheguei à conclusão de que não tinha nascido para aquilo”, recorda.
E foi assim que decidiu lançar-se numa atividade por conta própria, criando depois da reforma a sua agência, da Fidelidade, onde ainda se mantém. “Rapidamente conclui que era muito novo para ficar apenas ligado ao movimento associativo e entendi que devia continuar a trabalhar. E, apesar de nem sempre ser fácil conciliar tudo, posso dizer que tem sido um percurso interessante. Passado todo este tempo, chego à conclusão que quem não é ambicioso não tem aquele sentimento necessário e importante para conseguir ultrapassar as dificuldades. Hoje utilizo todo esse temperamento e sentimento também nas questões associativas. Faz parte de mim”, realça.
Viver a “correr”, mas com cautela
Hoje, aos 70 anos, admite que vive “a correr” e não está bem certo se quer – ou consegue – abrandar. “Dirijo uma empresa e uma associação. Vivo a correr mas tenho também algumas cautelas, não entro em exageros, para conseguir chegar aqui com condições de saúde para manter toda esta atividade”, realça. Por outro lado, entende que a “prática permanente que esta atividade exige também cria em nós uma resistência única, é como um atleta que tem que treinar diariamente”. Neste caso, é mais “uma prática mental e um acompanhamento permanente da realidade que nos rodeia”, assume.
Afonso Lázaro Pires congratula-se por ter estado sempre disponível para a mudança e diz que teve o “cuidado de se atualizar” de forma a acompanhar a evolução da sociedade. “Para além do meu entusiasmo pelo movimento associativo, tive sempre a preocupação de não estagnar, de não parar, criando coisas mais adaptadas às realidades que resultaram da evolução social que se deu em Portugal”, frisa.
Assume que nem sempre é fácil conduzir uma coletividade, onde se lida com tantas pessoas e com diferentes opiniões e sensibilidades. Contudo, mesmo não sendo fácil, “é motivador” e “enriquecedor”. “Acima de tudo, é preciso ter respeito pelos outros e estar nos projetos com alma”, diz, confessando que não consegue imaginar o seu dia a dia “sem este dinamismo, sem esta correria”, continuando a ser “uma pessoa que gosta de criar, de fazer coisas novas e diferentes”, tanto na profissão como no associativismo.
E é essa vontade e essa dinâmica que o “obrigou” a regressar ao ativo depois da reforma. Considera que a mulher tem sido “a principal sacrificada”, mas teve sempre o cuidado de envolver a família nas suas realizações e nunca prescindiu de acompanhar os filhos que, aliás, partilham também desta sua paixão. “Eles andaram sempre comigo nestas atividades e o meu filho ainda hoje toca acordeão. Eles também ganharam muito com essa experiência e, provavelmente, o relacionamento que temos hoje não seria o mesmo se não tivéssemos feito todo esse percurso em conjunto”, realça.
Recorda também a sua passagem pelo Inatel, onde conheceu muitas coletividades de toda a região, com as quais mantém ligação até agora, e que lhe permite criar “um intercâmbio fantástico a nível cultural” e um relacionamento pessoal que, em tantos casos, se transformou em amizades para a vida.
Valeu a pena deixar tudo e vir para Coimbra com apenas 10 anos? Nem é preciso tempo para pensar. “Claro que sim. Foi aqui que conheci a minha mulher, que tive os meus filhos, agora uma netinha… Coimbra é a minha terra adotiva, que eu gostava que fosse diferente, a uma só velocidade, mas que me encantou”, termina.