Após ter terminado as minhas funções de Assistente Convidada da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ia muitas vezes para o Canadá, onde me divertia imenso, entre outras coisas, fazendo Rádio e Televisão, por vezes.
Para além disso, quando a minha homónima, Lucinda Ferreira, em casa de quem morava, podia, íamos até à beira do Lago, com a família ou sós.
Junto dos Lagos, é o lazer. A distração. O passeio agradável, para além da leitura relaxada. Toda a gente deitada na esteira, na relva, ouvindo música. Namora-se. Conversa-se.
Junto ao Lago, é um local cheio de água naturalmente, limpando emoções negativas. Enfeitado de flores variadas. Encontro nos bares animados, com música e agradável convívio.
Quando regressava, aquele espaço vinha dentro do meu coração. Faltava-me. Sentia-me asfixiada. Tudo ali era harmonia. Sol e bem estar. Aqui em Coimbra, na minha cidade, havia alguns jardins, parques, mas só, não seria fiável ir até lá. Poderiam acontecer surpresas.
Descia a cortina da saudade. Da tristeza. Até novo encontro, sonhava com lagos. Extensos parques abertos. Cobertos de florinhas rasteiras. Selvagens, enfeitando longas extensões. Sem árvores. Apenas um banco ao cimo do monte, onde se podia estar perfeitamente à vontade, fazendo o que apetecesse. Olhares sem fim eram fantasia. Silêncio. Conversa com alguém amigo. Podia-se voar sem limites.
Quando chegava a Coimbra, ansiava por voltar para “aquele Alentejo” canadiano. Acolhedor. Puro.
Brampton ainda lá está à minha espera, nas primaveras, cheias de pétalas de macieiras bravas, deixando cair sobre quem passa, delicadas odorosas flores, como se fôssemos eternas noivas, desfilando sob a música da passarada, que abunda por ali, sem perigo de morte. (Os animais, no Canadá, são respeitados e protegidos!).
Quando o Parque Verde da minha cidade se tornou realidade, agradeci em silêncio e publicamente, essa sétima maravilha de Coimbra, à beirinha do Mondego. Hoje, quando me sinto encurralada, dentro de mim, vou até lá. Contemplo, não “as claras águas do Mondego”, mas a profunda, escura, pachorrenta corrente, que parece nem se mexer…
Num destes domingos, na tarde quente, o Parque estava povoado pela gente daqui e arredores, já farta de frio e alguma chuva.
Ambicionado sol cálido, convite ao passeio, num recanto lindo da cidade, atraía ricos, pobres, idosos, crianças, casais jovens, casais maduros, namorados, lá num recanto mais escondido, manifestando a sua ternura em abraços e beijos. Estrangeiros. Visitantes. Desportistas. Negociantes. Pessoas friorentas. Outras acaloradas. Banhistas. Gente lendo, na relva. Outros conversando e às vezes até, gente praticando Ioga.
Como não há bancos, pois há muito tempo que a enxurrada os levou e nunca foram repostos, os muros à volta do bendito Parque, estavam todos ocupados! Um friso humano, gostoso de ver, enquanto os cães animados se cheiravam ao cruzar novos amigos. Outros aproveitavam para estender os músculos e fazer umas corridinhas.
Entretanto, fui dar a minha voltinha, dando um allo às escuras águas do Rio, na ponte pedonal. Aí, saudei a grande deusa Natureza, que tanto amo. Depois, fui espreitando o mundo que me acolhia.
Na Ponte, quase à pinha, era giro descobrir flashes de grande ternura. Encantamento. Enlevo. Doçura. Coisas que só a alma observa, de uma sedução sublime, que a Palavra não alcança. “Selfies” apaixonadas, de dois em um, trocando carícias, sem qualquer inibição perante os passantes, ainda que voyeurs alguns deles, eram comuns naquele sítio convidativo.
Donas encantadas, com o cãozinho Lulu enfeitado, passeando ligeiro, pela trela, ou mesmo ao colo, aconchegado no calor íntimo de um peito jovem, havia outros quadros de uma ternura comovente.
Um casal muito jovem, a mãe, uma menininha que podia ainda andar a saltar à corda, segurava contra o peito (não no frio carrinho, distante o filho do calor da mãe…), o seu bebé. O pai, um jovem não muito mais velho, que a sua esposa, companheira ou lá o que fosse, olhando os dois enlevados para aquela criança que dormia serena e confiante. Não pude deixar de lhes sorrir, juntando-me à sua cumplicidade enternecedora e carinhosa, toda feita de surpresa, admiração e encantamento.
Mais à frente, cruzava com um par enamorado. Alheio ao mundo dos passantes. Deixá-los sonhar, enquanto podem. Passava agora, um grupo de estudantes de Leste, conversando animadamente. Um fotógrafo curioso, retinha com sua máquina de lentes de grande alcance, a magia deste recanto ímpar. Lá pelo meio, andava no ar uma “cantata”, com sotaque brasileiro, dos muitos cidadãos que passavam descontraídos. Animados, como sempre.
Uma senhora já com alguma idade, produzida, com sapatos de salto fino e bem altos, era quase levada ao colo por um rapaz bem mais novo, todo feliz com a sua conquista. Sabe-se lá com que intenções ou não… Os patos e as gaivotas gozavam a liberdade de existirem, esperando umas migalhitas dos humanos. Os bares, à beira rio, que as cheias silenciaram, foram substituídos por um carro ambulante, fornecendo bebidas, comida, sem ter mãos a medir, aproveitando a não concorrência.
E eu, na Ponte dos Amores, parada, olhava o imenso do céu muito azul, como um manto protetor, enfeitado com farrapinhos de tule brancos…
Lá no alto, a velha torre da Universidade, vigilante e atenta, guardando a cidade brilhante, do perigo da ignorância, que é uma das coisas mais tristes que existe.
O sol escondia-se lentamente. Povoado de sombras o verde que já desponta, recolhia-se na noite. Silhuetas da Natureza desenhavam-se no espelho Mondego! Eu despedia me com gratidão, daqueles momentos calmos, que vivi e não voltam mais…