Falamos de um autodidata, de um homem que burila o ferro com paixão, de um artista que busca a inspiração a partir dos materiais que a intuição lhe diz serem fundamentais para as obras que hão-de nascer. Veio da Aldeia dos Troviscais, mais propriamente de um lugar chamado Fundeiros, em Pedrógão Grande, para a Feira Cultural de Coimbra e nela dar a conhecer os seus trabalhos, trabalhos inéditos, ditas esculturas em ferro, que nos levam a parar para refletir como acontecem estas criações. O seu percurso de vida começa quando ainda menino saiu da sua aldeia aos 11 anos para trabalhar na entrega de mercearias porta a porta em Lisboa, uma situação por aqui muito comum, que levava ao recrutamento de crianças do interior, para o que chamavam aviar recados.
A vida deste homem acabaria porém por se modificar desde que entrou para uma metalomecânica, onde permaneceu 14 anos. Foi então que descobriu o mundo que lhe viria a moldar a alma e, quem sabe, se não teria sido a partir daí que, interiorizando o Estatuário do Padre António Vieira, adaptou a ideia da “pedra tosca, bruta, dura, informe (…)” às obras que em ferro haveria de produzir: “(…) aqui desprega, ali arruga, acolá recama”. E um dia voltou à sua terra, onde tinha feito a quarta classe e por ela se ficou, sem qualquer outra formação que não fosse a observação e experiência do trabalho no dia a dia. De novo entre a sua gente, abriu uma oficina de serralharia onde fazia portões e grades de ferro.
Mas isso era pouco expressivo para ele em termos da arte que o seduzia. E partiu para este outro mundo de engenho, e deu largas à imaginação e fez nascer estoutras preciosidades escultóricas. De tudo um pouco, sem imaginarmos o porquê, pois tal como conta, é o material de que dispõe que lhe dita a peça a fazer, então sim já desenhado na memória. É quando a executa!- “Se copiasse as peças era fácil reproduzir, o difícil é imaginá-las a partir do aproveitamento de materiais antigos e de múltiplos desperdícios, onde entram desde as peças de automóveis às molas de tração animal, passando pelas fechaduras, ferrolhos, aldrabas, dobradiças, panelas, bocados de chapa dos mais variados, cavilhas, rolamentos, engaços e forquilhas, enxadas, pás, cordões de arame, tudo faz parte dos materiais que reutilizo para dar vida às minhas obras”. E é na sequência deste testemunho do António Manuel, como diz ser conhecido e gosta de ser chamado, que confirmamos de onde provieram os deslumbrantes trabalhos que nos levaram a encontrar naquele stand, Fernando Pessoa, D. Quixote, Camões, Santo António, diversos Cristos, o Mocho da Sabedoria, a Justiça, enfim, um mundo de encantar. Quisemos saber dos fogos que aconteceram naquele terrível ano que fustigaram o seu concelho e se também ele foi atingido. Conseguiu salvar a sua casa com muita sorte e talvez por milagre. Mas o resto, as árvores, os arrumos e outros haveres tiveram o mesmo destino que o dos outros habitantes daquela sua aldeia que o viu nascer. E concluiu: – “Para além da casa, ficou-me a vontade de viver, uma vontade que me alimenta a alma, toda ela direcionada para a arte que vou expondo quando convidado a participar em exposições desta natureza ou quando a encaminho para a minha loja na vila”.