Por Maria Teresa Alegre Portugal
Num tempo em que a palavra solidariedade ficava pousada no dicionário, como coisa “subversiva”, nasceu em Coimbra a Casa dos Pobres.
Estava-se em 1935 e nem Coimbra, orgulhosa da sua universidade e dos seus doutores, escapava à marca dum Portugal cinzento, iletrado e pobre.
Poucos anos mais tarde, eu própria daria conta dessa miséria esmagadora, quando, nos primeiros dias de entrada na velha escola de Águeda, perguntaria a minha mãe porque razão só eu levava sapatos e as outras meninas iam descalças ou, quando muito, com uns tamanquitos de pau. Vem esta memória pessoal a propósito de uma iniciativa generosa do jornal “O Despertar”, que desafia cidadãos de Coimbra a escreveram sobre a dita Casa dos Pobres. O objetivo é criar uma onda solidária, capaz de ajudar o novo projeto desta instituição – a ampliação do atual edifício que já não consegue responder à totalidade dos pedidos.
Fui lá, na sequência do amável convite da atual Direção. Levava nos olhos as tristes imagens que retinha desse outro tempo no Pátio da Inquisição, primeiro abrigo desta instituição: velhos e velhas andrajosos, sentados nos degraus da escadaria à espera que uma réstea de sol lhes aquecesse a vida que restava. Muitos escreverão sobre a Casa dos Pobres e contarão a sua história, falarão do acontecimento social que foi a sua inauguração, que chegou a incluir (pasme-se!!) “Luzido e brilhante baile ao qual concorreram as mais distintas famílias de Coimbra”, como narra o jornal da época “O Comércio do Porto”.
Não resisto, contudo, a lembrar como a “Voz do Calhabé” se refere a este facto – “Coimbra pode finalmente dizer que extinguiu a mendicidade das suas ruas” acompanhando assim o espírito do texto dum comunicado do então Governador Civil do Distrito, Capitão Augusto Monteiro, informando que iniciara “a adoção de medidas tendentes a reprimir a mendicidade das ruas”, criando para o efeito “um fundo especial de repressão da mendicidade.”
A Festa era esta – finalmente os pobres sairiam das ruas onde, naturalmente, a população bem como os muitos turistas os podiam ver. Do Comércio do Porto, 9 de Maio de 1935, – “a mendicidade exercida por uma legião enorme de desgraçados que, em lamuriantes queixas e por vezes com atitudes agressivas, assediavam não só os naturais como centenas de estrangeiros que visitavam esta linda terra…” Podia, pois, a cidade descansar que os pobres não mais estragariam a paisagem urbana, não mais incomodariam ninguém, ficando doravante por ali, no Pátio da Inquisição.
Os tempos mudaram e o país mudou. Hoje queremos e ainda não conseguimos, erradicar a pobreza e não reprimi-la ou escondê-la. Para isso muita gente trabalha – o Estado, numerosas instituições, organizações religiosas, associações de voluntários. Viria aliás, a propósito, falar sobre a difícil tarefa de combater a pobreza, no entendimento sábio do professor Bruto da Costa. Mas não foi sobre isto que me pediram que escrevesse. Voltarei então à Casa dos Pobres dos nossos dias. Testemunhei a dedicação, a entrega entusiasmada dos cidadãos que voluntariamente a dirigem. Testemunhei as boas instalações que abrigam os seus utentes e o empenho de quem lá trabalha para lhes proporcionar as melhores condições, neste tempo das suas vidas. Só que, cá fora, há sempre mais gente a necessitar desse conforto e de condições dignificantes. Por isso é preciso ampliar a atual edificação para conseguir mais quartos destinados à população que os reclama. Cómodo seria dizer “Não é possível! Estamos cheios!”. Não são cidadãos conformados os atuais responsáveis pela atual Casa dos Pobres. Querem mais porque assim é preciso e querem dar o melhor que a isso obrigam os princípios consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
É por isso que, estou certa, Coimbra vai ajudar.