5 de Dezembro de 2025 | Coimbra
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RUMOR, de Madalena Vitorino, voltou a dar vida ao antigo edifício do INATEL

5 de Dezembro 2025

Há edifícios que são mais do que paredes erguidas com intenção estética. Há edifícios que são a materialização da memória ou o espaço onde se constrói o futuro. Há edifícios que são lugares de criação de laços, de experiências que perduram ou de projetos coletivos que enriquecem vidas.

Em Coimbra, existe um desses edifícios. Muito mais do que uma estrutura de betão, foi, durante décadas, a casa do INATEL, antiga FNAT. Com três andares e largas escadarias de madeira, o terceiro piso alberga um salão lindíssimo, amplo, com um palco central e dois varandins laterais igualmente em madeira. Durante décadas, foi o palco de inúmeras atividades culturais: teatro, música, aulas de instrumento. Ainda me lembro de acompanhar o meu avô nas aulas de música que dava a adultos reformados, ou a minha irmã quando ali ensaiava com a orquestra de instrumentos de sopro do conservatório. Era um espaço vivo, que respirava cultura.

Há alguns anos, desde a transferência do INATEL para a Rua Pedro Monteiro, que o espaço permanece vazio, até que, há algumas semanas, um projeto cultural de grande fôlego o ocupou e lhe devolveu a vida que merece — apesar da degradação das suas condições.

Trata-se de um projeto cultural incomum, que dinamizou a comunidade local e integrou imigrantes nepaleses através da música e da dança. RUMOR foi uma criação da coreógrafa Madalena Vitorino, adaptada a Coimbra após ter sido apresentada no Algarve. O convite partiu de Catarina Pires, presidente da Associação Há Baixa e agente cultural da cidade. O projeto centrou-se no tema do turismo, nos seus impactos e na forma como a população perceciona este fenómeno — incluindo a comunidade nepalesa, que, através do seu trabalho na restauração e hotelaria, tem contribuído para dinamizar o setor. E, quando pensamos no turismo em Coimbra, não podemos naturalmente esquecer a Universidade e toda a movimentação turística que a envolve. Todas estas questões foram trazidas para o espaço cénico, onde cerca de 80 pessoas trabalharam intensamente durante dias.

O projeto culminou nas apresentações de 29 e 30 de novembro, no carismático antigo edifício do INATEL (junto à antiga estação de Coimbra A), e constituiu uma experiência coletiva marcada por grande entrega por parte dos participantes, com ensaios diários de cerca de cinco horas, em noites frias de Outono. No entanto, a experiência valeu por si. Coletividades da cidade, como o GERC (Grupo Etnográfico da Região de Coimbra) ou o Coro Baixa Voz, juntamente com bailarinos profissionais e um grupo de nepaleses, cantaram, dançaram, partilharam comida e criaram laços.

Durante duas semanas, o edifício do antigo INATEL foi reocupado, desempoeirado, aquecido e decorado. Com sofás de época, candeeiros acolhedores e figurinos espalhados pelo salão, todos podiam experimentar os diferentes trajes. O ambiente era de alegria — a alegria de quem constrói em conjunto e vive momentos de brincadeira, lazer e criatividade. Os preconceitos ficaram à porta e os corpos soltaram-se para servir um espetáculo de luz e cor. Sem reservas, experimentaram-se fatos de banho e roupas de outros tempos. Apesar da descontração, o rigor era absoluto, e a responsabilidade para que tudo culminasse num momento extraordinário era imensa. Todos se empenharam com a dedicação de quem está feliz. E é por isso que estes projetos são tão importantes. Devolvem vida aos lugares. Iniciativas que juntam pessoas dos 7 aos 77 anos, de vários estratos sociais, com percursos diferentes, que durante alguns dias se aproximam e constroem comunidade, através de artes performativas distintas — desde o folclore à dança contemporânea, da música tradicional portuguesa ao rock nepalês.

É este movimento que cria as cidades. Em que as pessoas encontram espaços comuns de partilha e construção de momentos felizes e belos. Em que para além da idade, do estatuto social, ou da origem é possível viver em coletivo.

Às vezes edifícios abandonados podem voltar a iluminar-se e a ter uma vida mais intensa que um hotel ou airbnb, porque não há luz maior que a vida coletiva quando constrói e avança.

 

Ana Rajado

 


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