No rés-do-chão, um papel amarelecido anuncia um arrendamento que nunca chegou a concretizar-se. No primeiro andar, as janelas estão tapadas com tábuas. O prédio está identificado pela Câmara Municipal de Coimbra como devoluto e, em teoria, paga hoje três vezes mais IMI do que pagaria se estivesse ocupado. Mas o agravamento do imposto pouco alterou, até agora, o cenário de prédios vazios na Baixa.
Em Junho, o vereador Miguel Fonseca chamou a atenção para o problema, revelando que o concelho de Coimbra tinha pelo menos 282 imóveis nestas condições – 173 prédios devolutos e 109 degradados –, todos sinalizados para agravamento de IMI e concentrados sobretudo na União de Freguesias de Coimbra, a área central do município. Segundo o último relatório camarário, essa penalização gera uma receita adicional de cerca de 34 mil euros por ano, o equivalente a apenas 0,1% da receita total de IMI.
Em paralelo, o mercado de arrendamento afasta cada vez mais quem vive com o salário médio. Em Outubro, os dados do portal Idealista indicavam que, na freguesia de Coimbra, o valor médio pedido nos novos contratos rondava os 17 euros por metro quadrado. Um T2 de 50 metros quadrados na Baixa chega assim facilmente aos 800 euros mensais.
A lei no papel
No papel, o enquadramento fiscal parece rigoroso. Para prédios urbanos, o Código do IMI fixa uma taxa base entre 0,3% e 0,45%. Essa taxa é automaticamente elevada ao triplo para prédios urbanos que se encontrem devolutos há mais de um ano ou em ruínas, desde que classificados como tal pela câmara municipal.
A legislação define como devoluto o prédio urbano ou fração que permaneça desocupado durante um ano, sendo indícios de desocupação a inexistência de contratos de fornecimento de água, gás, eletricidade ou telecomunicações, a ausência de faturação ou consumos muito baixos. Ficam de fora casas de uso sazonal, imóveis em obras de reabilitação, residências de emigrantes, alojamentos locais e outras situações justificadas na lei.
Desde 2019, a figura das zonas de pressão urbanística permite, em determinados perímetros, agravar ainda mais a tributação. Os prédios devolutos há mais de um ano, os em ruínas e certos terrenos para construção localizados nessas zonas podem ver a taxa de IMI multiplicada por 10 e agravada em 20% ao ano, até um máximo de 20 vezes a taxa base. Em acréscimo, a lei admite majorações adicionais para habitações que não sejam residência própria nem estejam arrendadas, para imóveis detidos por pessoas coletivas e para prédios afetos a alojamento local.
Na prática, tudo isto exige que os municípios delimitem essas zonas, aprovem regulamentos próprios e articulem a identificação dos devolutos com a Autoridade Tributária. Em Coimbra, o valor de IMI agravado sugere que grande parte deste potencial continua mais inscrito na lei do que refletido nas faturas que chegam aos proprietários.
Assunção Ataíde, presidente da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC), sublinha o alcance limitado da penalização atual: “A Câmara tem hoje instrumentos para exigir mais destes proprietários, mas os valores continuam pouco dissuasores. São IMIs quase simbólicos, de outra época: em vez de pagar 100 euros, o proprietário pode passar a pagar 1000 euros ao fim do ano. Para muitos, ainda não é suficiente para os fazer intervir no imóvel abandonado”, afirma.
Quem manda nos prédios vazios
A questão de quem são os donos ajuda a explicar o impasse. O plano de gestão do sítio identifica a Rua da Sofia como o principal desafio da próxima década, com muitos imóveis devolutos ou subutilizados, comércio frágil e património descurado. Vários sítios históricos estão divididos entre ordens religiosas, herdeiros múltiplos e frações dispersas, o que significa, em muitos casos, não existir um interlocutor único.
“Na Rua da Sofia há literalmente centenas de proprietários diferentes”, descreve Assunção Ataíde. “Entramos num colégio e uma parte pertence a uma ordem religiosa, outra já passou para vários herdeiros. A maioria dos prédios da zona está assim fragmentada”, resume.
Do lado da resposta pública, a Estratégia Local de Habitação e o Diagnóstico Social de Coimbra apontam a reabilitação do parque existente e a oferta de rendas condicionadas como prioridades. Parte das soluções passa pela ocupação de edifícios hoje devolutos ou subutilizados na Baixa e no centro histórico.
O plano de gestão defende equipas técnicas dedicadas aos devolutos e instrumentos mais robustos para lidar com heranças complexas e frações bloqueadas, incluindo a aquisição pública de imóveis estratégicos. Foi o que aconteceu recentemente com o imóvel quinhentista conhecido como Casa Medieval, na Rua do Sargento-Mor, devoluto desde 2018 e adquirido pela Câmara Municipal em Agosto para futura reabilitação.
As leis necessárias já existem. Falta que representem um custo real para os proprietários que mantêm prédios vazios – e que a Câmara também crie condições para que esses edifícios possam voltar a ser ocupados.