A Serra do Ilhastro é um bem cultural único do Município de Coimbra. Ao nível do património natural diversos estudos têm salientado não só o elevado valor florístico das suas orquídeas, mas também a presença de 149 espécies de fauna, algumas com elevado estatuto de proteção nacional e internacional. Por outro lado é de salientar o edificado pelo homem, com destaque para o conjunto raro de moinhos que há muito merecem que os poderes públicos e privados se entendam tendo em vista a salvaguarda e requalificação.
A conhecida empresa Cimpor tem feito, nos últimos anos, na parte sul da serra ainda não destruída (a outra, a mais conhecida e sacrificada pelo progresso, em breve será apenas memória), a aquisição de vários terrenos cujo fim, pelo que agora veio a público, tem em vista a construção de uma central fotovoltaica.
O Município de Coimbra, no cumprimento da lei solicitou pareceres às freguesias envolvidas: Brasfemes, com uma área de 10% e UF de Souselas e Botão que possui 90% daquele território. O posicionamento político e social das freguesias não foi consonante, antes divergente: Brasfemes pronunciou-se de forma transparente e frontal contra tal decisão, que se aplaude, nos seguintes termos patentes nos site da junta:
“Nos termos da Lei 156-A/2013, de 8 de novembro, Anexo B-1, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (diretiva habitats), transpondo a Diretiva n.o 2013/17/UE, do Conselho, de 13 de maio, são referidos os “Tipos de habitats naturais de interesse da comunidade cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação”, constam os “Prados secos seminaturais e fácies arbustivas em substrato calcário (Festuco-Brometalia) (importantes habitats de orquídeas)”, coincidente com o tipo de habitat do local a intervir, na Serra do Ilhastro e protegidos por tal Lei. Tendo em conta a Lei 156-A/2013, entendemos que a instalação da central fotovoltaica no local indicado acarreta prejuízos inaceitáveis para o ordenamento e desenvolvimento local, com efeitos negativos nos usosdominantes e na qualidade ambiental, paisagística e funcional das áreas afetadas, destruindo um habitat que, por Lei, deverá ser protegido, damos parecer desfavorável”.
Mais alegou esta freguesia que estava em curso a implantação da “Rota das Orquídeas” aprovada com fundos comunitários, verificando-se uma sobreposição da área a ocupar pela Cimpor- Indústria de Cimentos, S.A. de vários caminhos florestais e agrícolas públicos existentes, quer na Freguesia, quer nas Freguesias vizinhas, sendo que tal implantação irá colidir com o traçado da Rota das Orquídeas, submetido e aprovado por várias entidades no âmbito do projeto.
O mais grave da questão
Na verdade, a construção da unidade de autoconsumo só será viável desde que o Município reconheça que não existem “prejuízos inaceitáveis para o ordenamento e desenvolvimento local, após ponderação dos seus eventuais efeitos negativos nos usos dominantes e na qualidade ambiental, paisagística e funcional das áreas afetadas.”, o que no caso em apreço em termos ambientais e paisagísticos será fácil concluir pela inviabilidade da pretensão da cimenteira.
Por outro lado é de lamentar que a Cimpor, que nos merece todo o respeito, sem aguardar o desfecho do enquadramento legal tenha procedido a trabalhos no planalto da serra, não solicitando acompanhamento de qualquer entidade. Não sabemos o que teme, embora desconfiemos, mas é certo que dessa forma desconsiderou o Município de Coimbra, o ICNF, a Divisão de Ambiente do Município e o Gabinete de Arqueologia entidades respeitáveis e com autoridade na matéria em apreço.
Neste contexto é de estranhar a posição da União de Freguesias de Souselas e Botão que emitiu parecer favorável, sem qualquer discussão sobre o assunto junto da população ou em sede de assembleia de freguesia, apesar de no seu território se situar 90% da área da dita serra. Estando em vigor um protocolo estabelecido entre a Junta e a Cimpor de contornos questionáveis, terá sido este facto a provocar o silêncio sobre o assunto e a emitir parecer favorável ao arrepio dos interesses culturais e sociais? Será que a freguesia está refém dos interesses da cimenteira? Só assim se entende este “come e cala” que tem tido outros episódios, também eles lamentáveis, como a ausência de relatórios sobre a emissão de resíduos e funcionamento da empresa a cargo duma comissão de acompanhamento cuja constituição e trabalho se desconhecem.
É importante que a Sra. Vereadora do Urbanismo, Professora Doutora Ana Bastos, com altas responsabilidades na matéria, seja capaz de liderar um processo de sensibilização e defesa da qualidade ambiental, paisagística e funcional das áreas afetadas, bem como da nossa identidade cultural e paisagística. Neste ponto é preciso coerência política, sendo oportuno relembrar a posição tomada em 2021 pelo Movimento Somos Coimbra acerca da possibilidade de instalação de uma Central Solar Fotovoltaica em Cernache onde, entre outros motivos para votar contra esta pretensão, se enuncia as “Perdas irreparáveis no património natural (fauna e flora)”.


