Chegados aos 100 anos, o que se pode dizer a Coimbra – entidades, leitores e anunciantes – que já não tenha sido dito? Que estamos felizes por termos chegado até aqui? Estamos. Que foi uma longa e sofrida caminhada de muitas gerações? Foi. Que nos sentimos sempre compensados pelo apoio recebido? Não. Que a cidade deveria ter tratado “O Despertar” com maior consideração, mais carinho, melhor apoio? Em alguns momentos, sim. Que também nós, Jornal, deveríamos ter feito melhor? Naturalmente. Mas cem anos depois, talvez não seja a hora de elencar o não feito por uns e por outros, sem com isso esquecer aquelas gerações que de si deram tanto para que o jornal se mantivesse. Tanto que, algumas delas não tinham mais para dar. E quando lhes faltaram os meios e as forças, reforçaram o afeto dispensado a este projeto editorial, menino eterno de quem dele gostou vida inteira. Dessas gerações conheci a família Sousa, já os 60/70 anos do Jornal se haviam dobrado. Testemunhei nela, nessa família de que Fausto Correia terá sido o último elo, a carga afetiva que um Jornal pode gerar, transformando-se na grande razão de viver para algumas pessoas. Nessa família saúdo todas as demais que fizeram esta longa caminhada.
Mas o apoio que possa ter faltado, o estímulo que deveria ter chegado em certas alturas mas não chegou, a motivação ausente retida na insensibilidade de alguns ao longo de tantos anos, esses não faltaram a tantos e tantos Colaboradores que ano após ano não arredaram pé, que fizeram questão de assumir como próprio um Jornal que na verdade é seu, não regatearam nunca o seu esforço até à última braçada. Até por isso valeu a pena “O Despertar” ter atravessado tantos períodos particularmente difíceis do século passado. Foi-se transformando num projeto eminentemente afetivo, seguramente dos mais fortes do país na área da comunicação social.
E a coluna dorsal que assegurou estes cem anos do Jornal foi exatamente o afeto que muitos nutrem por ele, alguns desde há muitos e muitos anos. Na geração atual – e com grande orgulho nosso há quem seja atual há mais de 50, 60 e 70 anos – saudamos todos os demais que, antes deles, de si deram também o seu melhor. “O Despertar” é o elemento congregador, a seiva comum de muitos de nós, a verdadeira razão de aqui termos chegado. A todos, vivos ou mortos, o obrigado enorme de todos quantos continuamos empenhados nesta ideia/projeto, velha de cem anos, renovada na vontade de muitos mais.
E agora? Aqui chegados, está cumprido o núcleo central do acordo que, em jeito de profecia, fiz um dia com Fausto Correia, em plena cavaqueira num dos muitos encontros que fazíamos nas suas vindas de Bruxelas, onde era eurodeputado e alimentava a ideia de um dia fazer crescer o seu “Despertar”. Aspirava a um Jornal politicamente ativo e interventivo. A política estava-lhe no sangue. Mas os compromissos iam-lhe consumindo o tempo. Até que deixou de ter tempo para ter tempo. Acontece com quase todos nós. Vamos morrendo de agenda cheia.
E agora? Pergunto de novo. Neste ambiente de menor euforia em que vive a comunicação social portuguesa, num período em que as janelas de informação se multiplicam, num tempo em que Coimbra se vai tornando menos exigente quanto aos seus agentes culturais, apoiando mais simpatias que méritos, deve “O Despertar” manter-se ou parar para se pensar? Tenho um medo dos diabos das coisas que se suspendem para se reestruturarem, tanta vez forma eufemística de fechar para sempre. Gosto de pensar o futuro mas em andamento. Caminhando. Indo. Pés no chão e olhos no horizonte, ainda que de incertezas preenchido.
Esta é a minha preferência e esta é a minha proposta a Coimbra e ao “Despertar”, aqui entendido como um todo formado por aqueles que o vivem por dentro, nele colaborando, nele trabalhando, que lhe querem bem, que o sentem como seu. É a minha preferência e o meu desafio. Vamos todos refletir sobre a melhor forma deste Jornal servir Coimbra e a sua zona envolvente. Terá sido para isso que ele foi pensado e criado, terá sido em nome disso que ultrapassou as dificuldades em que a primeira metade do século passado foi fértil, foi para se dar a Coimbra, às suas causas e à defesa dos seus interesses e suas gentes, que resistiu ao tempo, e aos tempos de menor motivação. E tem sido essa também a razão por que se mantém, mesmo quando os que mais lhe devem mudam de passeio quando com ele cruzam.
Tenho esperança que nos cheguem sinais. E compreendam-nos que assim seja e assim tenha de ser. Tal como as anteriores, também a geração atual se vai fazendo velha. Uns mais que outros, mas todos gastos pelas incertezas dos amanhãs, pelo trabalho exigente que a todos desgasta, pelo desvio ocupacional para que os tempos modernos vão chamando cada vez mais a atenção. O digital arranca ou não arranca? Suporta-se ou não se suporta, em termos de se pagar a si próprio? O papel resiste ou será cada vez mais residual?
Estas são as pedras da nossa calçada. Estas são as interrogações que se nos colocam nesta longa caminhada. Ao partilhá-las com os leitores, com Coimbra e com todos a cuja dedicação nos devemos, não aliviamos responsabilidades próprias mas humildemente reconhecemos as nossas angústias.
Cem anos é trabalho de muita gente. É entrega, dedicação, amor e sofrimento de outra tanta. É com profunda humildade que evoco a memória de todos, deixando aqui bem vincado o “obrigado” que lhes é devido.
Uma última palavra para o Fausto Correia. Não vá o correio atrasar-se e eu quero dizer-lhe, a ele primeiro que a ninguém, que aos 100 já chegámos. Por Coimbra. E por ele.
LINO VINHAL