1.O IMPOSSÍVEL DE LUÍS DE MATOS
Aí está o Natal. E mais um ano quase a acabar. O tempo corre para alguns de nós tão rápido que parece impossível. IMPOSSÍVEL foi o tema dos espetáculos que LUÍS DE MATOS, o nosso premiado mágico internacional, proporcionou no Convento de São Francisco durante quatro dias. Assisti e aplaudi o trabalho de Luís de Matos e dos seus quatro parceiros internacionais convidados. Diversos géneros de magia criaram um ambiente perfeito e visualmente…IMPOSSÍVEL. Por isso gostámos e pedimos mais. Foi saudável observar o fascínio e a atenção dada aos momentos mágicos por muitas crianças que estiveram no público. Houve risadas quase imparáveis e contagiantes da miudagem aquando da segunda atuação do mágico francês Norbert Ferrè. Os disfarces vocais do gaulês levaram os pequerruchos ao rubro e isso foi…magia. Aconteceu NATAL.
2.AS PRIMAVERAS ESTUDANTIS E AS CHEIAS DE 67 EM LISBOA
Aproveitei a ida ao SÃO FRANCISCO para visitar a exposição PRIMAVERAS ESTUDANTIS muito bem conseguida quer ao nível da documentação quer no aspeto expositivo global. Documentação histórica importante para evocar uma das épocas mais efervescentes do nosso país – e a nível mundial. É evidente que a exposição atravessa as crises académicas de 62 e 69 de Lisboa e de Coimbra. Elas são a coluna vertebral do material expositivo e foram um decisivo contributo para a Revolução de Abril. Detetei uma referência significativa para o desempenho dos estudantes em favor das populações vitimadas pela catástrofe de 25 para 26 de novembro de 1967 na região de Lisboa com chuva torrencial, cheias e desmoronamentos que implicaram centenas de mortes. A área abrangida era paupérrima com carências de toda a ordem. Os universitários quiseram ajudar e ajudaram, mas houve forte imposição do regime para esconder a tragédia. Os estudantes contornaram a censura, fizeram comunicados e reuniram-se para dar a conhecer a miséria observada após as enxurradas. Por coincidência vivi essa tragédia com o meu amigo e caricaturista ZÉ OLIVEIRA (considero-o número 1 na área do cartunismo e da caricatura). Colaborávamos na Revista CAPA E BATINA na qual também o nosso BELISÁRIO participou. Tínhamos ido a Lisboa fazer entrevistas a protagonistas do espetáculo. Perante a tempestade não houve comboios para regressarmos a Coimbra e, por isso, ambos envergando capa-e-batina, fomos pedir boleia para a estrada. Conseguimos. Duas jovens americanas julgando-nos virtuosos padres pela vestimenta (de santos nada tínhamos, é um facto…subjacente) pararam o Mercedes e deixaram-nos entrar. Poucos quilómetros depois a tempestade ficou tão assanhada que as jovens ficaram quase em histeria. Eu tive de pegar no volante de um carro que não conhecia com mudanças automáticas. Uma das jovens era filha de um açoriano radicado na América que pagou a viagem para lhe irem buscar o carro, em trânsito, julgo que à Alemanha. A tempestade, a pouca experiência das turistas do Tio Sam, o desconhecimento da viatura, criaram um cenário de iminente tragédia para os quatro. A dada altura o Zé Oliveira de calças arregaçadas, batina a verter água e suor por todos os poros, teve que empurrar o carro que bloqueou na lama. Imaginam, certo? Não morremos e conseguimos chegar a Leiria onde, num hotel, nos deixaram, em pleno hall, torcer a roupa do corpo e torcer o nervosismo e o medo. Chegámos sãos e salvos a Coimbra e as jovens hospedaram-se no Astória. No dia seguinte procurei visitá-las, mas já tinham saído em direção ao Porto. Passados anos evoquei ao ZÉ OLIVEIRA a cena de terror que protagonizámos…mas este não se lembrava de nada. Há dois ou três anos, o ZÉ envia-me uma crónica que escrevera num jornal local onde contava a peripécia e lamentava não se ter lembrado quando lhe falei no assunto. Ainda hoje admito que o ZÉ tenha sofrido um trauma que o levou a esquecer o tenebroso episódio o qual, afinal, tinha relatado em crónica de jornal e terá passado pelas malhas da censura pouco depois. Acreditem, leitores, que um dos maiores desejos da minha vida era conhecer as beldades americanas as quais, provavelmente, salvaram-se por darem boleia aos dois padres que encontraram à saída da capital. De padres e de santos ainda hoje nada temos, mas contribuímos para um MILAGRE À MODA DA MALTA DE COIMBRA. E assim, um mês depois, tivemos Natal em 67.
3.EMISSÕES DE RÁDIO PARA CONSTITUIR FAMÍLIA
No São Francisco vi também a exposição dedicada à Rádio Universidade de Coimbra. Gostei, mas podia estar mais ampla e evocar os tempos do predecessor CENTRO EXPERIMENTAL DE RÁDIO DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA. Este acompanhou os convívios na Cantina, a posição da Academia no tempo das PRIMAVERAS ESTUDANTIS contra o regime. Nas horas mornas o locutor vinha à janela e quando via um casal de colegas embevecidos, no jardim, pelos cantos e recantos, punha no ar, e irradiadas pelas colunas de som, músicas de constituir família. Voltávamos à janela e muitas vezas a capa já cobria a dupla adocicada. Era a época de MAKE LOVE, NOT WAR. A música predileta? Era a de Serge Gainsbourg: JE T´AIME …MOI NON PLUS ao que se dizia inspirada numa citação de Salvador Dali: “Picasso é espanhol – eu também. Picasso é um génio – eu também. Picasso é comunista – eu também não (MOI NON PLUS)”. A canção até foi, isso sim, uma homenagem à nudez cinéfila de Brigitte Bardot. Que boa! A homenagem! Deixo um abraço natalício aos colegas do Centro Experimental de Rádio daquela época e à superlativa equipa da RUC.
E votos de Boas Festas a todos os Leitores.